Paleontólogo, Thomas Fairchild, fala sobre história geológica, estudo de fósseis e importância da divulgação de pesquisas científicas

Por Karolina von Sydow

A origem e evolução da vida são incógnitas que a ciência vem investigando ao longo do tempo. São várias hipóteses e teorias que buscam esclarecer evidências sobre a nossa existência.

Durante um bate-papo leve e descontraído com a equipe do GeoHereditas, o paleontólogo norte-americano e professor-doutor aposentado da Universidade de São Paulo (USP), Thomas Fairchild, compartilhou sua trajetória, experiências e curiosidades, que integram uma vida dedicada ao estudo dos fósseis mais antigos da Terra, pertencentes ao período Pré-Cambriano, que viveram há mais de 500 milhões de anos.

Na época, surgiram os primeiros microorganismos unicelulares, como as bactérias, e, posteriormente, as algas microscópicas. E, mais à frente, apareceram os animais primitivos.

Confira entrevista exclusiva a seguir:

 

Paleontólogo e professor, Thomas Fairchild. Fonte: ResearchGate.

Há quanto tempo reside no Brasil? O que te motivou a vir para cá? 

Vivo aqui há mais tempo do que nos Estados Unidos (risos). Antes de vir para São Paulo, passei um tempo em Curitiba. Em 1966, participei de um programa norte-americano, de voluntariado, chamado “Corpo da Paz”, de educação universitária, como auxiliar de ensino durante um período de três anos. Depois da experiência, retornei aos Estados Unidos para fazer um Doutorado na Califórnia.

Qual é a sua formação e especialização?  

Sou graduado em Geologia pela Universidade de Stanford e tenho doutorado na mesma área pela Universidade de Califórnia, em Los Angeles. Atuo na área de Paleontologia Estratigráfica, que estuda a origem e evolução dos fósseis, como resquícios de animais, plantas e demais seres vivos preservados em rochas.

Quando surgiu a sua paixão pela Paleontologia?

Na infância. Quando eu tinha entre sete e oito anos, descobri a minha paixão pelo mundo dos animais pré-históricos, especialmente, os dinossauros. Depois, com o tempo, surgiu o interesse de me tornar arqueólogo. Entretanto, tendo em vista as maiores possibilidades de atuação na área de Paleontologia, a partir do estudo de fósseis, que sabiam-se muito pouco na época, decidi estudar Geologia.

Ao longo da sua trajetória, em que lugares você realizou mais trabalhos de campo?

O foco da minha pesquisa é direcionado, principalmente, ao estudo de rochas com evidências muito antigas de vida microbiana, conhecidas como microbialitos. Neste sentido, realizei estudos significativos em São Paulo, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Goiás, Bahia e Distrito Federal.

Fairchild durante trabalho de campo em Corumbá, Mato Grosso do Sul, em 2013. Crédito: Luana Morais.

Mas afinal, o que são os microbialitos?

Os microbialitos são depósitos desenvolvidos em rochas carbonáticas em decorrência de atividades biológicas de comunidades de microorganismos unicelulares muito simples, com a mesma complexidade das atuais cianobactérias, encontradas em ambientessedimentares aquáticos. Os microbialitos podem apresentar estruturas laminadas muito finas, quando passam a ser denominados “estromatólitos”, e possuem diferentes formatos. Muitas vezes, em situações de preservação favorável, podem conter evidências de microorganismos microscópicos (microfósseis), responsáveis pela formação do microbialito.

Quais foram as principais descobertas alcançadas durante as análises de evidências fossilíferas? 

Durante a minha trajetória, consegui encontrar em várias partes do país uma variedade de microfósseis simples, com formatos esferoidal e filamentoso, compostos de matéria orgânica, associados às estruturas como os estromatólitos, já citados anteriormente. Sinto orgulho de ter conseguido compartilhar as evidências geológicas brasileiras registradas e difundir a importância da vida microscópica na biosfera primitiva, até o surgimento dos primeiros animais com estruturas formadas por conchas.

Quais são as evidências de vida mais antigas registradas no Brasil?

Destaco os estromatólitos nas formações do Quadrilátero Ferrífero, de 2,4 e 2,1 bilhões de anos, em Minas Gerais, e supostos microfósseis, com 2,7 bilhões de anos, na Serra dos Carajás, no Pará. Em 2015, participei da descrição detalhada dos estromatólitos, datados com 2,1 bilhões de anos, em uma pedreira de Minas Gerais, onde estes estromatólitos eram explorados, como rochas ornamentais, e fornecidospara todo o País.            

Pode nos revelar os principais projetos em que participou e que foram fundamentais para a divulgação das Geociências? 

Participei da organização e elaboração do livro “Decifrando a Terra”, junto com outros autores, um projeto de suma importância, considerando que o mesmo é muito utilizado pelos estudantes universitários brasileiros. No livro, são abordados conceitos como: a origem e os processos da dinâmica interna e externa do sistema Terra; tempo geológico; tectônica globale a formação de continentes; principais eventos naturais, como terremotos e vulcões, ciclo das rochas e da água; tipos e características dos minerais, entre outros temas.

Em seguida, destaco uma iniciativa promovida, em 2005, junto com o geólogo William Sallun Filho, de divulgar para o público em geral a presença de vestígios geológicos de vida muito antiga no dia a dia da população, na forma dos mármores polidos da pedreira, que eu mencionei anteriormente, que revestem os pisos de muitos shoppings e outros prédios, não apenas em São Paulo, mas em muitos outros lugares no país. Até então, os visitantes dos shoppings não sabiam que pisavam nos fósseis mais antigos do Brasil e queríamos compartilhar este importante fato geocientífico.

Com isso, conseguimos proporcionar, através de um artigo publicado na revista Ciência Hoje, uma verdadeira viagem ao longo do tempo geológico e também conscientizar o público a importância da valorização daquele patrimônio geológico construído.

Também participei de um projeto de recuperação de fósseis oriundos da Chapada do Araripe, no Ceará, que integram, atualmente, as coleções científicas do Instituto de Geociências da USP. Parte deste material, apresenta-se disponível em uma grande exposição “Fósseis do Araripe” no Museu de Geociências da universidade. Nosso acervo, recebeu milhares de espécimes de fósseis de peixes, insetos, plantas e répteis, com destaque para o Pterossauro, com o esqueleto completo, recuperados de contrabandistas no Brasil pela Polícia Federal, ao longo dos últimos vinte e poucos anos.

Em 2015, lançamos o livro “Atlas de Microbialitos do Brasil”. Foi um projeto muito significativo, elaborado, durante cinco anos, como resultado de uma iniciativa de pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e financiado pela Petrobras. O Atlas apresenta estudos de estromatólitos brasileiros de todo o País, com mais de 700 fotos de campo e laboratório. Acreditamos que não existe nenhum outro livro sobre microbialitos no mundo tão bem ilustrado e produzido quanto este.

Professor apresenta o Atlas de Microbialitos do Brasil.

O que as universidades podem fazer em prol da maior visibilidade de pesquisas geológicas e conscientização social sobre a importância de práticas de geoconservação, principal foco de trabalho do GeoHereditas ? 

As universidades, através da cooperação mútua entre professores e estudantes, devem divulgar, continuamente, estudos e pesquisas científicas em eventos, publicações, mídias sociais e atividades práticas, como também em rodas de conversa, visando atrair o interesse coletivo por assuntos geocientíficos. Em nosso caso específico, os destaques seriam referentes às origens dos principais grupos de organismos, o significado evolutivo dos fósseis e o registro da biosfera ao longo do tempo geológico.

Toda esta propagação de informação busca incentivar uma conscientização social acerca da importância do resgate e da conservação da memória geológica, que inclui diferentes sítios geológicos com elementos característicos da geodiversidade. Também são ações estratégicas voltadas para compreender o passado, enfrentar desafios no presente e se preparar para eventos indefinidos no futuro.    

Como exemplo de ação eficiente, destaco a oficina de réplicas de fósseis, criada pelo meu colega Prof. Luiz Eduardo Anelli, e, atualmente, associada ao Museu do Instituto de Geociências da USP. A iniciativa fornece kits de variadas réplicas de fósseis para escolas do Brasil inteiro. Projetos deste âmbito socioeducativo incentivam o acesso de jovens ao mundo da Geologia e os tornam protagonistas em práticas de desenvolvimento sustentável e geoconservação.

No final da conversa, o paleontólogo Thomas Fairchild deixou uma mensagem para reflexão. “A questão não é apenas obter conhecimento sobre a importância científica do nosso patrimônio, mas também conseguir desenvolver esta percepção na população, como um todo, através de boas práticas de divulgação das Geociências para a conscientização do cidadão leigo e valorização de bens do patrimônio geológico natural e construído”, conclui.

Thomas Fairchild e o pesquisador Douglas Galante em Corumbá, 2013. Crédito: Luana Morais.