Roteiro geoturístico do centro velho de São Paulo difunde conhecimentos do patrimônio urbano

Por Karolina von Sydow

Muitas pessoas caminham diariamente pelo centro antigo de São Paulo e têm acesso facilmente a informações históricas e culturais dos principais monumentos e edifícios presentes na região, mas não têm conhecimento sobre os conceitos e importância dos materiais rochosos utilizados nas suas construções.

Uma tendência comum na Europa e que transita ainda a passos lentos no Brasil, refere-se ao incentivo do geoturismo urbano. Visando estimular ações voltadas a este tipo de prática no País, a geóloga e professora da Universidade do Estado de São Paulo (USP), Eliane Aparecida Del Lama, vem se dedicando, nos últimos anos, ao estudo de preservação de rochas como patrimônio e herança cultural.

Desde 2008, junto a outros pesquisadores do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Patrimônio Geológico e Geoturismo (GeoHereditas), Del Lama vem realizando trabalhos de pesquisa em patrimônio construído e busca de metodologias eficientes de geoturismo urbano na cidade de São Paulo. A professora explica a decisão de construir um roteiro geoturístico, como uma ferramenta estratégica inicial para despertar a valorização e reconhecimento dos elementos da geodiversidade local.

“A ideia é construir um roteiro unificado – geológico, histórico e cultural – do centro velho de São Paulo, destacando sua origem, história e descrevendo a geodiversidade presente, além de formas de alteração das pedras ao longo do tempo, utilizada nas construções, quando a cidade deixou de ser de taipa – uma técnica antiga usada em obras à base de terra. Com isso, o objetivo é aproximar a sociedade de temas da geologia, conceitos de Geociências, além de estimular práticas de geoconservação e educação patrimonial”, define a professora.

Após vários trabalhos de campo realizados, Eliane Aparecida construiu a proposta de um mapa geoturístico com 19 pontos principais do centro histórico de São Paulo, revelando a rocha base de construção de cada um destes locais. A meta é aperfeiçoar sempre este mapa e traçar novas rotas.

“Apesar da maioria das rochas utilizadas na confecção das edificações e monumentos terem sido importadas, principalmente da Itália e de Portugal, muita gente não sabe que as pedras, com o progresso econômico advindo da produção de açúcar e do café, transformou São Paulo em uma cidade moderna, a partir da segunda metade do século XIX, e os materiais das construções passaram a ser nacionais”, conta Eliane. Por muitos anos, o Granito Itaquera foi uma das rochas mais utilizadas em pisos e fachadas do centro antigo de São Paulo. Depois foram utilizadas outras rochas, como os granitos Mauá, Itupeva e Piracaia.

 

Mapa esquemático e ilustrativo dos principais pontos levantados do centro velho e suas respectivas rochas de revestimento.
Mosaico de pedras ornamentais encontradas em edifícios no antigo centro de São Paulo.

A iniciativa ganhou repercussão na revista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e em diversas matérias da grande imprensa. Confira o artigo sobre a pesquisa da Eliane Aparecida, realizada em conjunto com outros pesquisadores-professores, na íntegra, acessando: https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs12371-014-0119-7.

Geoturismo Cemiterial integra proposta de turismo geológico urbano

Cemitério da Consolação, São Paulo. Mosaico com diferentes litotipos que constituem os túmulos.

Durante toda a história, a rocha foi utilizada para diversas finalidades. Quando lembradas, é comum pensar no uso de materiais pétreos associados a obras de construção civil, monumentos e edificações, entre outros, que integram o planejamento urbano. Entretanto, existe uma ampla utilização de rochas em construções mortuárias, ou seja, jazigos e túmulos pertencentes a entes queridos sepultados.

Como uma atividade interligada ao turismo geológico urbano, o geoturismo cemiterial, que já se encontra em grande expansão na Europa e Estados Unidos, tem o objetivo de trabalhar uma temática que destaque, ao mesmo tempo, a riqueza da arte tumular e presença de diversificadas rochas ornamentais, que constituem as estruturas de vários cemitérios do Brasil. Desde 2015, a professora Eliane Aparecida realiza levantamento e caracterização dos litotipos existentes nos principais cemitérios do Estado de São Paulo.

O primeiro cemitério estudado foi o da Consolação, fundado em 1858.  Conhecido como um museu à céu aberto, o local abrange esculturas de artistas renomados, como as do ítalo-brasileiro, Victor Brecheret, que revestem vários jazigos de personalidades importantes e responsáveis pelo desenvolvimento intelectual e político do Brasil, como o arquiteto Ramos de Azevedo, que construiu a cidade de São Paulo.

O estudo das rochas existentes no Cemitério da Consolação resultou na produção de dois roteiros geoturísticos de visitação, um destacando a presença de rochas carbonáticas e o outro dando ênfase a existência de rochas silicáticas, silicosas e sílticos-argilosas foliadas.

Eliane destaca a importância de atividades voltadas ao geoturismo cemiterial. “Os roteiros foram confeccionados com o objetivo de divulgar a importância geológica singular local, revelando as especificidades das rochas presentes, auxiliando ainda na divulgação das Geociências para estudantes e sociedade em geral”, explica ela. A professora também planeja investir em panfletos e capacitação de monitores, em conjunto com o GeoHereditas, no Instituto de Geociências (IGc) da USP, para difundir melhor este novo conceito de turismo geológico em cemitérios.

Confira pesquisas sobre geoturismo cemiterial nos links a seguir: https://link.springer.com/article/10.1007/s12371-018-0325-9 e http://www.ppegeo.igc.usp.br/index.php/GEOSP/article/view/8489.

Alunos do IGc experimentam geoturismo cemiterial

Mapa esquemático do município de São Paulo e a localização do Cemitério da Consolação. Fonte: http://maps.google.com.br (Google Maps).

No primeiro semestre de 2019, a professora Eliane Aparecida inovou na metodologia de trabalho aplicada no curso de Educação Patrimonial em Ambientes Naturais e Construídos, uma matéria optativa eletiva disponibilizada aos alunos do IGc uma vez por ano, e promoveu um estudo de campo no Cemitério da Consolação.

O objetivo da proposta não foi apenas proporcionar um aprendizado sobre as rochas pétreas existentes no local, mas também instigar um olhar mais atento voltado à conscientização da importância da preservação e restauração de monumentos e estruturas presentes no Cemitério da Consolação, que representa um patrimônio histórico e geológico da cidade de São Paulo.

O estudante do Curso de Licenciatura em Geociências e Educação Ambiental, Gledson Zifssak, ficou satisfeito com a proposta da disciplina e experiência inédita de compreender o universo das rochas em um cemitério. “A disciplina oferecida pela professora Eliane ultrapassou as minhas expectativas. A experiência no cemitério me permitiu conhecer a sua história de formação, principais pedras presentes, curiosidades sobre personalidades enterradas no local, concepção da existência de diferentes tipos de rochas ornamentais no mundo e que estavam sendo utilizadas ali em morada perpétua”, destaca.

“A experiência também despertou o interesse pelo turismo tumular, como vem sendo feito em outros países, e como este pode fazer parte do geoturismo urbano no Brasil, ultrapassando preconceitos, tabus e servindo para formação de conhecimento seja cultural como geológico. O geoturismo urbano tumular pode ser um grande centro de divulgação da cidade e uma maneira de se ensinar a geologia também.”, conclui Gledson.

Seguem abaixo algumas páginas do trabalho de mapeamento geológico tumular feito pelo grupo do Gledson. O material oferece uma proposta flexível, podendo ser aproveitado tanto para a construção de um site como de um folder ilustrativo.