A importância da preservação do patrimônio geológico para a compreensão da coevolução Terra-Vida

Por Karolina von Sydow

Você imagina como a vida surgiu e o nosso planeta se formou? Além disso, já parou para pensar que a proteção da diversidade natural é essencial para a garantia da nossa existência? Então, no início de dezembro, os Núcleos de apoio à pesquisa da Universidade de São Paulo (USP); GeoHereditas, Astrolab e Geoanalítica promoveram o evento “Coevolução Terra-Vida: uma contribuição do patrimônio natural brasileiro” com o objetivo de debater um grande desafio da ciência contemporânea que é buscar a melhor compreensão, valorização e conservação da diversidade natural do nosso planeta.

Promovido pela Pró-Reitoria de Pesquisa da USP, o evento foi coordenado pela professora Maria da Glória Motta Garcia, do Departamento de Mineralogia e Geotectônica do Instituto de Geociências, e se dividiu em dois dias de palestras. Os temas apresentados trataram de forma multidisciplinar como os processos geológicos e biológicos proporcionaram uma co-evolução da Terra e da vida ao longo da origem e história do planeta, que inclui a formação de paisagens e ecossistemas, compostos pela biodiversidade e geodiversidade. Para o entendimento destes processos, destacam-se: o estudo de materiais geológicos, como rochas, minerais e fósseis; e até a análise de rochas extraterrestres, como os meteoritos, que permitem investigar as possibilidades de existência de vidas, além do Sistema Solar.

Primeiro dia

No primeiro dia de evento, a professora Anelize Manuela Bahniuk Rumbelsperger da Universidade Federal do Paraná (UFPR) apresentou a palestra ”Bio-organo minerais: importância no Registro Geológico” sobre o estudo da precipitação de minerais, que pode não estar relacionada apenas às dinâmicas inorgânicas, mas também estar ligada às atividades biológicas, como catalisadoras do processo, nas rochas.

A pesquisadora de geoquímica de rochas carbonáticas também abordou o conceito de microbialitos, estruturas formadas pela atividade de microorganismos, que são fossilizados durante o tempo geológico, além de comentar processos de biomineralização.

Também foi demonstrado pelo pesquisador de astrobiologia do Laboratório Nacional de Luz Síncronton, Douglas Galante (LNLS), um estudo da vida no planeta, a partir da utilização de um novo acelerador de partículas brasileiro chamado Sirius. A utilização do Sirius permitirá avanços significativos na compreensão das interações entre os sistemas biológicos e os eventos planetários e astrofísicos.

“O Sirius é o maior projeto de ciência do Brasil e está na quarta geração no país. Os Síncrontons são grandes fontes de raios x usados para produzir luz em uma faixa espectral específica. Os raios x têm uma propriedade muito especial que é de atravessar a matéria e permitir estudar os materiais em profundidade”, explica ele.

Em seguida, a professora Adriana Alves (IGc-USP) revelou os desdobramentos bióticos do magmatismo da província Paraná-Etendeka do Cretáceo, na qual, segundo ela, não existiram eventos de extinção em massa, mas “muitas mudanças climáticas importantes ao longo do tempo” e evidências de resfriamento global. Neste âmbito, a pesquisadora de vulcanismo intracontinental destacou ainda a forte presença do gás enxofre no processo de magmatismo. Também mostrou gráficos de mais de 500 milhões de anos da evolução gradual do planeta, que passou por vulcanismo e cinco eventos de extinções em massa.

Para fechar o primeiro dia de debate científico, o professor Gaston Eduardo Enrich Rojas (IGc-USP), pesquisador em mineralogia e petrologia, revelou a relação dos meteoritos com a formação do nosso planeta. “O sistema solar foi formado por uma nebulosa de gás de poeira no espaço e as principais evidências que ajudam a contar essa história são: a análise dos meteoritos, que são fragmentos de corpos celestes, principalmente de asteróides, missões espaciais, observações astronômicas em regiões formadoras de estrelas e planetas, simulações computacionais do processo dinâmico de acreção dos planetas”, destacou.

Segundo dia

No segundo dia de evento, a pesquisadora e professora Marie-Pierre Ledru, pesquisadora do Institut de Recherche pour le Développemen (IRD), apresentou estudo sobre a evolução da Mata Atlântica, com foco na cratera de impacto de Colônia, que fica ao Sul da cidade de São Paulo, ao longo do tempo durante os períodos glaciais e interglaciais.

Em sua fala, Marie destacou a expansão do volume de gelo no período quaternário, mudanças de ciclos climáticos e reconstrução da história da vegetação, a partir do recolhimento de testemunhos, nos últimos anos na cratera entre os anos de 1989 e 2017.

Pesquisador experiente em temas que envolvem períodos marcantes da história da Terra, como a transição do Pré-Cambriano para o Cambriano, o professor Ricardo Ivan Ferreira da Trindade (IAG-USP) apresentou projeto temático que investiga o processo de co-evolução entre vida e meio ambiente no final do período Ediacarano, que engloba diversos fatores, como a ocorrência de ciclos biogeoquímicos, principalmente das taxas de carbono e enxofre, níveis de oxigenação, composição dos oceanos e clima terrestre.

O professor também pontuou que a explosão de vida no período Cambriano foi uma mudança importante no registro paleontológico e destacou o registro de fósseis de serras de Formação Bocaina, do Grupo Corumbá, no Mato Grosso do Sul.

Em relação à evolução da vida na Terra, os impactos cósmicos também tiveram papel fundamental nesse processo, como explanou o professor da Universidade de Campinas (UNICAMP), Alvaro Penteado Crósta. “O estudo de crateras de impacto pode resultar em uma enorme quantidade de informações sobre a evolução das superfícies planetárias”, pontuou ele.

A pesquisa ainda explica o surgimento da Lua, ciclos de extinção em massa da vida, pontua as crateras brasileiras, como a de Araguainha, em Minas Gerais, com 40 km de diâmetro, as controvérsias em relação à extinção dos dinossauros.

Para fechar o debate científico, a coordenadora do NAP GeoHereditas, Maria da Glória Motta Garcia (IGc-USP), que realiza pesquisas em geoconservação voltadas às políticas públicas, trouxe a reflexão sobre a história da vida gravada nas rochas, como uma abordagem do patrimônio geológico, a partir do estudo da identificação, estudo e valorização da geodiversidade.

“A diversidade natural é composta pela biodiversidade, geodiversidade e patrimônio geológico. Todos os minerais e os processos dão suporte para toda a vida que há na Terra. Recentemente, foram propostos ainda os serviços ecossistêmicos fornecidos pela geodiversidade que são benéficos à sociedade”.

A pesquisadora também destacou a importância da realização de inventários do patrimônio geológico para o trabalho de conservação, proteção e monitoramento de sítios, que podem descrever ecossistemas do passado, eventos de extinção globais, evolução das espécies, processos geológicos atuais e ocupação humana.

Neste momento, Maria da Glória explicou a conclusão da primeira fase do inventário do patrimônio do estado de São Paulo, que recebeu financiamento do Programa Ciências sem Fronteira, e contou com a participação de uma série de universidades, incluindo a Universidade do Minho, de Portugal. Atualmente, existe um mapa com 138 geossítios inventariados dentro de 11 categorias geológicas.

“O patrimônio geológico abrange elementos da geodiversidade com valor significativo, com atributos intrínsecos científicos, educacionais, culturais, estéticos e ecológicos que merecem ser conservados para o benefício das gerações futuras. É essencial que a geodiversidade e o patrimônio geológico sejam incluídos nas políticas de valorização das geociências e de conservação da natureza, com a inclusão de disciplina de geoconservação nos cursos destas áreas, inclusão de geocientistas em discussões sobre questões socioambientais e decisões mundiais”, afirmou.

O evento contou com o apoio especial dos Institutos de Geociências, Química e Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP.

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