Roteiro geoturístico do centro velho de São Paulo difunde conhecimentos do patrimônio urbano

Por Karolina von Sydow

18 de Junho de 2019

Muitas pessoas caminham diariamente pelo centro antigo de São Paulo e têm acesso facilmente a informações históricas e culturais dos principais monumentos e edifícios presentes na região, mas não têm conhecimento sobre os conceitos e importância dos materiais rochosos utilizados nas suas construções.

Uma tendência comum na Europa e que transita ainda a passos lentos no Brasil, refere-se ao incentivo do geoturismo urbano. Visando estimular ações voltadas a este tipo de prática no País, a geóloga e professora da Universidade do Estado de São Paulo (USP), Eliane Aparecida Del Lama, vem se dedicando, nos últimos anos, ao estudo de preservação de rochas como patrimônio e herança cultural.

Desde 2008, junto a outros pesquisadores do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Patrimônio Geológico e Geoturismo (GeoHereditas), Del Lama vem realizando trabalhos de pesquisa em patrimônio construído e busca de metodologias eficientes de geoturismo urbano na cidade de São Paulo. A professora explica a decisão de construir um roteiro geoturístico, como uma ferramenta estratégica inicial para despertar a valorização e reconhecimento dos elementos da geodiversidade local.

“A ideia é construir um roteiro unificado – geológico, histórico e cultural – do centro velho de São Paulo, destacando sua origem, história e descrevendo a geodiversidade presente, além de formas de alteração das pedras ao longo do tempo, utilizada nas construções, quando a cidade deixou de ser de taipa – uma técnica antiga usada em obras à base de terra. Com isso, o objetivo é aproximar a sociedade de temas da geologia, conceitos de Geociências, além de estimular práticas de geoconservação e educação patrimonial”, define a professora.

Após vários trabalhos de campo realizados, Eliane Aparecida construiu a proposta de um mapa geoturístico com 19 pontos principais do centro histórico de São Paulo, revelando a rocha base de construção de cada um destes locais. A meta é aperfeiçoar sempre este mapa e traçar novas rotas.

Mapa esquemático e ilustrativo dos principais pontos levantados do centro velho e suas respectivas rochas de revestimento.

“Apesar da maioria das rochas utilizadas na confecção das edificações e monumentos terem sido importadas, principalmente da Itália e de Portugal, muita gente não sabe que as pedras, com o progresso econômico advindo da produção de açúcar e do café, transformou São Paulo em uma cidade moderna, a partir da segunda metade do século XIX, e os materiais das construções passaram a ser nacionais”, conta Eliane. Por muitos anos, o Granito Itaquera foi uma das rochas mais utilizadas em pisos e fachadas do centro antigo de São Paulo. Depois foram utilizadas outras rochas, como os granitos Mauá, Itupeva e Piracaia.

Mosaico de pedras ornamentais encontradas em edifícios no antigo centro de São Paulo.

A iniciativa ganhou repercussão na revista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e em diversas matérias da grande imprensa. Confira o artigo sobre a pesquisa da Eliane Aparecida, realizada em conjunto com outros pesquisadores-professores, na íntegra, acessando: https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs12371-014-0119-7.

Geoturismo Cemiterial integra proposta de turismo geológico urbano

Durante toda a história, a rocha foi utilizada para diversas finalidades. Quando lembradas, é comum pensar no uso de materiais pétreos associados a obras de construção civil, monumentos e edificações, entre outros, que integram o planejamento urbano. Entretanto, existe uma ampla utilização de rochas em construções mortuárias, ou seja, jazigos e túmulos pertencentes a entes queridos sepultados.

Cemitério da Consolação, São Paulo. Mosaico com diferentes litotipos que constituem os túmulos.

Como uma atividade interligada ao turismo geológico urbano, o geoturismo cemiterial, que já se encontra em grande expansão na Europa e Estados Unidos, tem o objetivo de trabalhar uma temática que destaque, ao mesmo tempo, a riqueza da arte tumular e presença de diversificadas rochas ornamentais, que constituem as estruturas de vários cemitérios do Brasil. Desde 2015, a professora Eliane Aparecida realiza levantamento e caracterização dos litotipos existentes nos principais cemitérios do Estado de São Paulo.

O primeiro cemitério estudado foi o da Consolação, fundado em 1858.  Conhecido como um museu à céu aberto, o local abrange esculturas de artistas renomados, como as do ítalo-brasileiro, Victor Brecheret, que revestem vários jazigos de personalidades importantes e responsáveis pelo desenvolvimento intelectual e político do Brasil, como o arquiteto Ramos de Azevedo, que construiu a cidade de São Paulo.

O estudo das rochas existentes no Cemitério da Consolação resultou na produção de dois roteiros geoturísticos de visitação, um destacando a presença de rochas carbonáticas e o outro dando ênfase a existência de rochas silicáticas, silicosas e sílticos-argilosas foliadas.

Eliane destaca a importância de atividades voltadas ao geoturismo cemiterial. “Os roteiros foram confeccionados com o objetivo de divulgar a importância geológica singular local, revelando as especificidades das rochas presentes, auxiliando ainda na divulgação das Geociências para estudantes e sociedade em geral”, explica ela. A professora também planeja investir em panfletos e capacitação de monitores, em conjunto com o GeoHereditas, no Instituto de Geociências (IGc) da USP, para difundir melhor este novo conceito de turismo geológico em cemitérios.

Confira pesquisas sobre geoturismo cemiterial nos links a seguir: https://link.springer.com/article/10.1007/s12371-018-0325-9 e http://www.ppegeo.igc.usp.br/index.php/GEOSP/article/view/8489.

Alunos do IGc experimentam geoturismo cemiterial

No primeiro semestre de 2019, a professora Eliane Aparecida inovou na metodologia de trabalho aplicada no curso de Educação Patrimonial em Ambientes Naturais e Construídos, uma matéria optativa eletiva disponibilizada aos alunos do IGc uma vez por ano, e promoveu um estudo de campo no Cemitério da Consolação.

Mapa esquemático do município de São Paulo e a localização do Cemitério da Consolação. Fonte: http://maps.google.com.br (Google Maps).

O objetivo da proposta não foi apenas proporcionar um aprendizado sobre as rochas pétreas existentes no local, mas também instigar um olhar mais atento voltado à conscientização da importância da preservação e restauração de monumentos e estruturas presentes no Cemitério da Consolação, que representa um patrimônio histórico e geológico da cidade de São Paulo.

O estudante do Curso de Licenciatura em Geociências e Educação Ambiental, Gledson Zifssak, ficou satisfeito com a proposta da disciplina e experiência inédita de compreender o universo das rochas em um cemitério. “A disciplina oferecida pela professora Eliane ultrapassou as minhas expectativas. A experiência no cemitério me permitiu conhecer a sua história de formação, principais pedras presentes, curiosidades sobre personalidades enterradas no local, concepção da existência de diferentes tipos de rochas ornamentais no mundo e que estavam sendo utilizadas ali em morada perpétua”, destaca.

“A experiência também despertou o interesse pelo turismo tumular, como vem sendo feito em outros países, e como este pode fazer parte do geoturismo urbano no Brasil, ultrapassando preconceitos, tabus e servindo para formação de conhecimento seja cultural como geológico. O geoturismo urbano tumular pode ser um grande centro de divulgação da cidade e uma maneira de se ensinar a geologia também.”, conclui Gledson.

Seguem abaixo algumas páginas do trabalho de mapeamento geológico tumular feito pelo grupo do Gledson. O material oferece uma proposta flexível, podendo ser aproveitado tanto para a construção de um site como de um folder ilustrativo.